2 de fev. de 2013

Sobre rótulos e bobagens


Final do ano passado, minha irmã e o namorado conheceram em Punta Cana um cara que estava indo pra lá pela 11ª. vez, sempre no mesmo hotel, e aquela viagem em questão era a quarta para lá no mesmo ano.  A primeira reação, é claro, é pensar “poutz, mas que falta de criatividade, hein, mi amigo?”. Mas, afinal, quem sou eu pra rotular o cara, não é? Volto sempre que posso para lugares como Paris, Florença, Buenos Aires e tantos outros, e voltaria mais vezes se meu dinheiro permitisse. Cada um é livre para ir quantas vezes quiser, para os lugares que quiser, e o que importa é estrar feliz e contente com essa decisão, certo?

A questão é que os rótulos sobre as pessoas estão cada vez mais comuns hoje em dia para tudo. Todo mundo é rotulado o tempo todo, do “amigo gay” à “gordinha do escritório” ou "aquele nerdizinho". No que diz respeito ao turismo é igual: com o aumento considerável de gente viajando no planeta (e aumento também considerável de gente escrevendo sobre o assunto), rotular o outro de acordo com sua preferência de viagem (“muquirana”, “fresco”, “exótico”, “diferentão”, “empacotado”, “cvc”, “coxinha” etc) virou meio que regra.  
No começo da semana a Silvia Matraca contou num post que estava cansada de gente usando o termo turista pejorativamente e o termo viajante como cool, bacanudo, superior. E com razão; embora em inglês os próprios dicionários façam em geral uma ligeira distinção entre os termos tourist e traveller, aqui acabou virando meio que uma convenção social que turista seria o pacotão, maria-vai-com-as-outras, limitado, e que o viajante seria o descoladão, criativo, original. Grande bobagem e puro preconceito: se viajamos pelo mesmo prazer de viajar, a lazer (porque a negócios não dá mesmo para empregar o termo turista, nem mesmo em português), estamos todos no mesmo barco. To-dos.

Se o prazer de viajar para uns está mais associado a compras que museus, ou mais a ônibus de excursão que roteiros independentes, ou mais escapadas para o litoral de São Paulo que grandes viagens internacionais, é tudo uma simples questão de gosto. E gosto você já sabe: não se discute. Ninguém tem nada a ver com como o outro investe seu tempo e seu dinheiro. E as escolhas que fazemos no que se refere às nossas viagens também pode ser uma questão de fase (faixa etária, situação financeira, estado civil, constituição familiar) e tudo bem, tudo muito bem, a gente mudar de fase ao longo da nossa vida e das nossas viagens – até porque todo mundo muda o tempo todo e nada mais natural que nosso estilo de viajar e nossas preferências também dêem uma mudadinha aqui e outra ali conforme o mundo gira. 

Apesar de ter lido (acho) todos os seus livros de viagem, se tem uma coisa que nunca concordei com o Theróux foi aquela história de que viagem boa TEM que ser sofrida, doída, desconfortável.  Afinal, “sair da zona de conforto” significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Democracia em viagem é isso, oras. De novo: é questão de gosto, preferência, perfil, não dá pra julgar. Assim como não consigo achar que quem usa mochila viaja melhor que quem usa mala de rodinhas, ou que quem fica em albergue viaja melhor que quem fica em hotel, ou que quem só come na rua viaja melhor que quem come em restaurante estrelado ou que quem só escolhe destinos insólitos viaja melhor que o cara que quis ir 11 vezes para Punta Cana. Ou vice-versa de tudo isso, you got it.

Cada um com suas escolhas e todo mundo feliz. Porque, para mim, não existe essa de viajar “bem” e viajar “mal” ou viajar “certo” e viajar “errado”. A viagem tem que ser “boa” e “certa” pra você, no seu perfil, do seu jeito, com seus gostos, dentro das suas possibilidades. Desmerecer a viagem do outro porque ela não se parece com a sua seria só uma grande prova de que o sentido mais amplo de viajar - na minha opinião, transformar, abrir nossos olhos, ampliar nossos horizontes – seria uma bobagem homérica. E nisso eu me recuso a acreditar. Mesmo. 

9 comentários:

ga disse...

De novo: de acordo. =)

Daniel Zotesso disse...

Falou e disse, Mari. Concordo plenamente. Eu mesmo gostaria de viajar pra muitos lugares que ainda não tive a chance (aos quais eu viajarei com certeza). Então fico feliz com a minha viagenzinha simplezinha mesmo, até poder fazer aquele viajão, não é mesmo? O importante é curtir e ser feliz.

Marcie Grynblat Pellicano disse...

Falou tudo! Aliás, em todos os campos da vida, rótulos só atrapalham e criam preconceitos e impedimentos. Boa, Mari!!

Viaje com a Flora disse...

Falou tudo Mari.

teresa disse...

Com certeza, rótulos são furados! Acho que a diferença está muito mais entre o turista/viajante ser mais ou menos educado em relação aos demais turistas e moradores locais. Independente do meio de transporte e acomodação,o que incomoda é gente que fala alto em lugares restritos, que acha que os atendentes em outro país tem que entendê-lo só porque está pagando, que está de férias e pode tudo, etc.Ótimo post!

Paula* disse...

Mari vc ARREBENTOU! That`s all! ;-)

Malu disse...

Que ótima inspiração para escrever um post sobre um assunto que incomoda tanta gente. Perdi a conta das vezes que criticaram o fato de eu viajar sozinha.Respeito pelas diferenças é tudo.Gostaria de ver seu texto publicado nas revistas de viagem.

Raphinadas disse...

Concordo em gênero e número! Um delícia ler seu post!
abraços.

Carmem Silvia disse...

Perfeito!